«Os publicitários são todos uns exagerados»

Retirado de - Jornal Expresso Edição 1653 de 03.07.2004

"Os consumidores estão cada vez mais cuidadosos com o que comem e bebem. Lêem atentamente os rótulos e na sua maioria só adquirem alimentos que não sejam prejudiciais para a saúde. Conhecedores desta nova preocupação, os fabricantes e a gente do «marketing» unem esforços para explicarem que o seu produto é bom para a saúde, reforça as defesas do organismo ou contém gorduras amigas do coração.

Neste momento, cada caso é um caso. Desde 1999, a legislação proíbe a atribuição de virtudes medicinais aos produtos alimentares, obrigando os publicitários a acrobacias linguísticas. E desde há três anos existem regras bem especificas sobre as informações que devem constar dos rótulos. Mas há um vazio que permite aos produtos reivindicarem efeitos benéficos na saúde de quem os consome. Assim, temos ovos com Ómega 3, margarinas que reduzem o colesterol e iogurtes que reforçam as defesas do organismo. O problema reside no facto de não haver qualquer critério para definir quais as alegações legítimas. Aguarda-se um diploma que o Parlamento Europeu deverá aprovar nos próximos meses.


Mário Beja Santos, do Instituto do Consumidor, descreve dois tipos de alegações: a de uma presença acrescida de alguns nutrientes ou substâncias e a de resultados na saúde do consumidor. A primeira é facilmente comprovável. Basta verificar a quantidade de cálcio reivindicada por um leite ou a fibra que contém um certo pacote de bolachas. Em Setembro de 2002, a «Proteste», revista da Associação de Defesa dos Consumidores (Deco), salientava que um dos problemas reside no facto de a «fortificação» anunciada «não constituir realmente uma necessidade». Se os consumidores tiverem uma alimentação completa, não precisam de suplementos. Por outro lado, muitas vezes, o acréscimo anunciado nem sempre é significativo e, por fim, quando ingeridas em excesso, algumas vitaminas e minerais podem ser nefastas.

Alexandra Bento, presidente da Associação Portuguesa de Nutricionistas, lembra que muitas vezes os nutrientes anunciados nos rótulos de embalagens estão presentes em maiores quantidades em produtos naturais. O tomate contém antioxidantes que previnem o cancro da próstata. O peixe é mais rico em ácidos gordos Ómega 3 que a maioria dos produtos que os publicitam. Para atingir a dose recomendada, teria de se beber uma quantidade de leite com esta substância muito acima do desejável - salienta a nutricionista.

Quanto às alegações funcionais, a sua verificação científica é mais difícil. Um dos casos mais sintomáticos é o do Actimel, da Danone, que vende 5974 toneladas por ano, ou seja, 12,4% das suas vendas no nosso país. O produto, lançado em 1998, é feito à base de leite fermentado que contem uma bactéria láctica (o lactobacillus casei imunitass) que actua sobre o intestino, reforçando o sistema imunitário. A empresa pediu a comprovação desta característica à Agência Francesa para a Segurança Sanitária dos Alimentos (AFSSA) e da frase «Actimel reforça as defesas naturais». Apesar de reconhecer a sua acção benéfica, Alexandra Bento lembra que é preciso relativizar a sua necessidade. A médica conta que é consultada por mães preocupadas por não poderem comprar este tipo de produtos para os seus filhos. «É uma opção», resume, e lembra o preço do produto - tomar um Actimel por dia custa €15 por mês.


Um caso mais polémico é o do óleo Fula, cuja publicidade exibe o certificado de «produto saudável» da Fundação Portuguesa de Cardiologia. Alexandra Bento considera o anúncio «chocante» por baralhar os consumidores. Se o objectivo até podia ser pedagógico, definindo critérios para produtos saudáveis, a associação exclusiva a este produto confunde. Apesar de o óleo ser necessário na alimentação, há gorduras mais saudáveis, como o azeite. O vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia - a associação científica do sector -, Vítor Gil, acrescenta que é «complicado atribuir certificado a marcas e não a produtos».
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